Por que um executivo se desdobra entre o próprio negócio e a carreira numa multinacional

Por Fernanda Santos

Erik Bonagamba sempre teve o sonho de empreender, mas não queria deixar o cargo de executivo de vendas em uma montadora de veículos

Hoje, tem dois quiosques de açaí em shoppings do ABC Paulista e, se preciso, vira noites acordado para conciliar o emprego fixo com a rotina de empreendedor

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Dono de dois quiosques de açaí no ABC paulista se desdobra entre o próprio negócio e a vida de executivo

O engenheiro de produção Erik Bonagamba, 28 anos, sempre quis ter o próprio negócio e viu no comércio de açaí uma chance de começar a tirar o sonho do papel. “Sempre tive vontade de empreender, mas procurava algo que pudesse tocar em paralelo ao meu emprego. Escolhi o açaí porque, além de eu gostar, é um negócio simples de administrar”, diz ele.

Sabendo que a maior parte das empresas costuma demorar um período para dar lucro, Bonagamba decidiu, a princípio, não pedir demissão do emprego fixo como executivo em uma multinacional.

“Eu gostaria de ser audacioso, mas sou um pouco conservador e não quis dar um passo maior que a perna”, afirma Bonagamba.

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Ideia de negócio

A ideia do empreendedor era abrir um quiosque de açaí em algum shopping do ABC Paulista, na região metropolitana de São Paulo – de preferência em São Bernardo do Campo, onde ele reside. Além da proximidade com sua casa e emprego (a multinacional também fica na região), os shoppings ajudam a diminuir a sazonalidade do negócio de açaí. O ar condicionado mantém a temperatura estável o ano todo, o que minimiza os efeitos das quatro estações e não causa impacto nas vendas.

Após essa decisão, o passo seguinte do empreendedor foi começar a estudar os modelos de negócio possíveis. A principal dúvida era sobre valer ou não a pena abrir uma franquia. Para entender os prós e os contras, Bonagamba pesquisou muito, conversou com alguns franqueadores e visitou feiras como a Expo Franchising, Feira do Empreendedor e eventos do Sebrae. A conclusão foi que, no seu caso, a franquia não era uma boa estratégia.

“Meu negócio não tem muito segredo. A única coisa que o franqueador me forneceria seria o açaí, e a um preço mais alto. Você tem de comprar deles e ainda pagar royalties no fim do mês. Não valeria a pena”, diz Bonagamba, que optou por criar a própria marca: Açaí Flex.

Mas, a falta de tempo era um problema. Com os dias da semana comprometidos na multinacional, ele tirava os sábados e os domingos para visitar os shoppings da região e analisar a concorrência. “Visitei todos os 7 ou 8 shoppings do ABCD paulista (Santo André, São Bernardo, São Caetano e Diadema). Fui tirando fotos e mapeando tudo no computador”, diz ele.

Após 8 meses de estudo e visitas, Bonagamba selecionou dois shoppings de porte-médio que tinham bons atrativos. Os critérios principais avaliados foram: não ter quiosques de açaí e ter bom preço de aluguel. Primeiro, o empreendedor entrou em contato com um shopping de São Bernardo, o Golden Square, mas a sensação foi a de que não houve receptividade do outro lado.

“Eu senti que não quiseram fazer negócio comigo. Jogaram o preço lá em cima. Sentiram desconfiança por eu não ter a minha marca ainda e não ser uma franquia”, diz o empreendedor. A opção que ele tinha, após as análises, seria fechar com o Atrium Shopping, em Santo André.

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Dificuldade inicial

A negociação deu certo e o jovem assinou o contrato em dezembro de 2017. A partir de então, ele teria apenas 3 meses para estruturar a empresa toda: registrar a marca, fazer o projeto arquitetônico, desenvolver a parte gráfica, comprar equipamentos, contratar os fornecedores, escolher o sistema operacional de gestão e contratar funcionários.

“Minha vida está uma loucura desde dezembro de 2017. Eu só tinha o plano de negócios, faltava toda a parte burocrática da empresa. Foram muitas noites sem dormir”, afirma ele. O que ajudou bastante nesse período foi todo o conhecimento que Bonagamba já dominava sobre empreendimento e finanças, graças à formação em engenharia de produção pela Universidade Federal do ABC e ao MBA em negócios pela Fundação Getúlio Vargas.

Apesar da dificuldade em equilibrar a vida de empreendedor com a de executivo, Bonagamba conseguiu cumprir os prazos. Sem nenhum tipo de ajuda, ele inaugurou o quiosque do Açaí Flex em fevereiro de 2018. O nome foi inspirado no diferencial do seu produto: a flexibilidade na hora de montar o açaí. Erik Bonagamba explica que os clientes não precisam pagar a mais pelos complementos, como frutas, granola, cereais, leite em pó, leite condensado e caldas diversas, entre outros – as exceções são acompanhamentos mais caros como Whey Protein e Nutella.

“Eu parto do princípio que eu ganho no açaí. Se a pessoa quer banana, estou tirando açaí para colocar banana no lugar. A concorrência costuma cobrar e, mesmo assim, meu preço é menor que o de várias lojas”, diz ele. O copo de açaí de 200 mililitros (ml) custa R$ 8,99; o de 300 ml, R$ 11,99; o de 400 ml, R$14,99; e o de 500 ml, R$ 17,99. Os ingredientes especiais, que são cobrados, têm preços entre R$ 1,99 e R$ 3,99.

Não ser uma franquia ajuda o empresário e deixar os preços mais competitivos, já que ele não tem custos com royalties e consegue bons fornecedores – um copo de 500 ml com um acompanhamento no Açaí Beat sai por R$ 18,70 e no Açaí Concept, o valor é de R$ 21,90, com dois acompanhamentos. Além disso, o aluguel barato (cerca de 35% dos custos fixos) e a estratégia de venda focada em volume ajudam a baratear o produto e a competir melhor com a concorrência, formada especialmente por outras lojas de açaí ou de sorvete, como o McDonald’s, Burger King e o Chiquinho Sorvetes.

“A estratégia tem funcionado. O pessoal que costuma tomar um sorvete com preço mais em conta depois do almoço vê no açaí uma opção mais saudável”, diz o fundador do Açaí Flex.

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Estratégia de investimento

Como trabalha desde 2010 e havia feito uma poupança, o empreendedor não precisou de empréstimos ou financiamentos para abrir o negócio. O investimento inicial no primeiro quiosque foi R$ 80 mil e ainda restou recursos quase suficientes para uma segunda loja – que ele não sabia, mas chegaria em breve.

Três meses depois de começar o quiosque de açaí em Santo André, o shopping de São Bernardo, que não havia sido receptivo meses atrás, ligou para o empreendedor e o convidou para ocupar um espaço no local.

“Eu não estava planejando isso, queria antes estabilizar o primeiro negócio. Mas eles disseram que se eu não quisesse, eles iam abrir para outra pessoa. Vi que o jogo tinha virado, eles estavam mais interessados do que eu”, diz o empreendedor.

Percebendo o empenho do shopping em fechar contrato com ele, Bonagamba aproveitou para negociar bem o preço do aluguel. Deu certo e, em setembro de 2018, nascia o segundo quiosque Açaí Flex.

Hoje, o empresário se desdobra para se dedicar ao cargo na multinacional e ainda administrar sozinho as duas lojas. Com o tempo curto, ele conta que faz o possível para não ter dores de cabeça com a rotina de empreendedor. “Funcionário dá mais dor de cabeça que eu imaginava, especialmente por falta de comprometimento. Meu pai falou antes de eu abrir, mas não imaginei que seria tanto. Na hora de contratar, sou bem criterioso para minimizar riscos”, diz ele.

Nas duas lojas, o Açaí Flex tem 4 funcionários, 1 estagiária e alguns vendedores freelancers que trabalham apenas aos domingos e feriados. Além do cuidado na escolha das pessoas com quem vai trabalhar, Bonagamba segue à risca a Lei Trabalhista.

Os mesmos cuidados valem para as finanças e a organização do estoque. O empresário tem várias planilhas e faz um controle rígido das vendas, compra de produtos e datas de vencimento. “Uma vez por semana eu atualizo tudo. Pego uma noite inteira para fechar folhas de pagamento, pagar boletos de fornecedor, tudo que é administrativo.”

O faturamento dos dois quiosques no último ano foi de cerca de R$ 600 mil, lembrando que a primeira loja foi aberta em fevereiro e a segunda, em setembro. Apesar de ser difícil abrir e tocar um negócio no Brasil, Bonagamba acredita que as chances de a empresa crescer são muito maiores com um bom planejamento, estudo e dedicação.

“No Brasil, a cada 5 empresas 3 ou 4 fecham em dois anos. Mas se você parar para analisar, as pessoas não estudam para abrir um negócio. Estudar não é garantia de sucesso, mas certamente diminui as chances de fracasso”, diz ele.

Como empreendedor, Bonagamba sonha um pouco além: gostaria de, um dia, ser dono de um hotel. Até lá, ele pretende expandir o Açaí Flex para as outras cidades do ABCD Paulista e chegar à capital. “Ter o próprio negócio traz um aprendizado que curso nenhum traz. Se amanhã ou depois eu decidir abrir algo maior, estarei muito mais preparado.” Enquanto esse dia não chega, ele vai se equilibrando entre a vida de executivo e de empreendedor.